・03/12/2023・Texto por Redação Power Supply
O executivo Thalles Weber Pereira é formado em engenharia mecânica. Mas suas engrenagens têm girado com mais força e sucesso no departamento financeiro de multinacionais, como a gigante francesa Saint-Gobain no país e a Villares Metals, companhia de cidadania brasileira e hoje sob controle do grupo austríaco Voestalpine. Curiosamente, foi ele quem participou ativamente da parceria da Saint-Gobain com a Monkey, maior marketplace de recebíveis da América Latina, quando ainda estava na companhia francesa. Aquele período, segundo ele, resultou em muitos aprendizados e, especialmente, no que diz respeito à inovação na gestão financeira. Em entrevista exclusiva, o executivo conta como foi o processo de parceria com a Monkey e como enxerga o atual momento da economia, das fintechs e do risco sacado. Confira:
Como começou a sua história com a Monkey? Quando foi e como é que surgiu essa parceria?
A parceria com a Monkey começou em 2017, quando eu assumi a gerência financeira de Tesouraria da empresa onde eu trabalhava [a Saint-Gobain]. Logo quando eu assumi o departamento, tinha acabado de iniciar as conversas entre a direção da empresa com a Monkey. Na época, ainda não existia nenhum caso concreto. Eles [a empresa] estavam iniciando talvez a adoção do produto. No começo de 2018, a gente começou as primeiras etapas de homologação. Então, naquela época, não era comum que grandes grupos quisessem trabalhar em processos estratégicos com fintechs e startups.
Havia preconceito das grandes empresas com as fintechs?
Sinto que naquela época existia um certo preconceito. Na verdade, havia uma falta de pontos históricos. Era algo que estava iniciando. Talvez nem fosse um preconceito. Era uma cautela. Colocaria dessa forma, uma cautela.
O que fez com que as grandes companhias mudassem a forma de olhar para as fintechs?
Alguns grandes grupos tiveram um papel importante em termos de se jogar um pouco em ambientes controlados. Isso foi uma das premissas bem interessantes que a gente adotou naquela época, na Saint-Gobain. Optamos por começar em um ambiente controlado para uma quantidade de transações limitadas e iniciar um projeto piloto para ver se estava certo, se tinha potencial. Em tesouraria, faz sentido ter esse ambiente controlado. É por isso que os tesoureiros preferiam trabalhar com os grandes bancos, com os grandes parceiros. Porque há uma outra gama de produtos que vem embarcado nesses parceiros e que você precisa deles. Então, nada mais útil do que você ficar nesse ecossistema.
Que tipo de produto os grandes bancos oferecem como diferencial?
Tipo linhas de crédito, seguros, risco-sacado, cash management, folha de pagamentos. Existem muitos. Então, existe uma certa reciprocidade coerente nessa linha. Por isso, algumas startups ou fintechs que tentaram competir com os grandes bancos não encontraram espaço. Então, elas precisam criar uma relação estratégica, de longo prazo. Acho que esse é o grande ponto.
O medo de sofrer ciberataques era um ponto de desvantagem para as fintechs?
Sem dúvida. Esse assunto de cybersecurity estava, e está, muito em pauta. Mas hoje todas as empresas têm padrões de segurança muito sólidos. Antes, os grandes bancos tinham mais condições de oferecer. As grandes instituições têm orçamentos multimilionários para esse foco. Na hora de escolher uma instituição financeira tradicional ou uma startup, esse era o primeiro ponto a ser endereçado. Mas mudou. Hoje existe confiabilidade, segurança para transacionar em muitos parceiros e bancos.
Qual o papel das fintechs e das empresas nesse processo de amadurecimento e maior confiabilidade do mercado?
Olha, acho que uma das grandes questões que fizeram com que as empresas tirassem um pouco desse ‘pé atrás’ com as fintechs foi a postura de assumir pequenos riscos, de forma controlada e com vontade de inovar. Quando você vê grandes empresas, com receita de bilhões, olhando para casos que deram certo e se questionando se aquele caminho também funciona para mim, há uma grande mudança. Vivenciei muito. Quando o projeto começou a dar certo na Saint-Gobain, lá em 2019, começou a criar escala. Aí comecei a receber contato de outras grandes empresas, outros tesoureiros querendo conversar um pouco sobre qual tinha sido a experiência. Acho que a transparência de colocar aquilo que tinha dado certo, aquilo que não estava funcionando naquele momento, foi um negócio interessante.
Então, esse caminho de parceria entre grandes empresas e fintechs foi aberto por desbravadores...
Sim. Acho que isso é importante. Temos de ter os desbravadores para depois outros players virem atrás com um pouco mais de segurança. Bom, a trilha agora já está traçada. Vamos abrir uma rua? Vamos criar uma avenida? Vamos criar uma rodovia? Tem que sempre existir alguém abrindo a primeira trilha.
A bem-sucedida parceria da Saint-Gobain com a Monkey será replicada na Villares Metals?
Ainda não temos algo definido. Estamos em estudo. É um dos planos para 2024. Mas deixa eu te contar um pouco da empresa. A história da Villares é muito interessante. Ela começa com a família Villares, um parente do Santos Dumont, da aviação. O sobrenome do fundador era Dumont Villares. Então, é um grupo brasileiro, com alguns negócios na parte dos elevadores e na parte de siderurgia, posteriormente. O ramo de siderurgia foi se dividindo em algumas frentes. Ficou um negócio de aços especiais. A outra parte da siderurgia foi vendida. E o negócio de aços especiais, hoje, está sob o comando de um grupo austríaco, chamado Voestalpine. Tem capital aberto na Áustria e na Alemanha.
Qual sua missão lá na área financeira da Villares?
Minha contratação tem um pouco desse objetivo, trazer um pouco mais de tecnologia, novas ideias e inovação para a área financeira. Por isso, para 2024, há a possibilidade de ter uma parceria não só com a Monkey, mas também com outras fintechs. Um grande ponto que alavancou também esse ecossistema das fintechs foi a pandemia, que trouxe uma necessidade, no caso da Monkey, para o produto do risco sacado. Eu peguei muito essa virada de chave. Era um produto que a gente tinha que oferecer para os fornecedores e convencer eles a usarem antes da pandemia. Durante a pandemia, virou um produto que a gente não tinha teto suficiente para oferecer para todos. Então, a gente teve que começar a escolher quais fornecedores a gente ia ofertar o produto. Inverteu. A procura dos fornecedores pelo programa.
Com a pandemia, o Banco Central teve de lidar com esse fenômeno... sem dúvida.
Nessa mesma época, talvez antes da pandemia, o Banco Central já tinha começado a criar um ambiente onde se fomenta essa inovação de forma organizada e de forma regulada. E aí entram grandes empresas que começam a ter casos positivos. Foi fundamental ter um Banco Central que também está olhando para esse viés de inovação. Nesse contexto, sejam os grandes bancos ou bancos boutique, também encontraram espaço, começaram a ver vantagens. Em vez de lutar contra as fintechs, aderiram. Eu peguei alguns grandes bancos justamente nessa transição. Me lembro de conversas lá em 2017 ou início de 2018, quando os bancos nem trabalhavam com a hipótese de atuar com uma fintech intermediando essas transações. E hoje são bancos que investem em fintechs.
Os grandes bancos passaram a se unir a fintechs por uma questão de sobrevivência?
Eu concordo em parte. Talvez não tenha sido por uma questão de sobrevivência. Mas, por uma questão estratégica. Essa revolução no mercado e a vinda das fintechs criaram uma nova avenida de possibilidades, colocaram em dúvida também o próprio antigo modelo de negócio deles, mas não uma concorrência direta. Os grandes bancos de varejo têm estrutura para oferecer um produto competitivo, um funding competitivo, com uma tecnologia que vai ser entregue. Aqueles bancos viram oportunidade. Como eles [os grandes bancos] têm um funding grande e competitivo, eles têm meios de competir bem. A união de bancos e fintechs não acontece sob um sentimento de ameaça, mas sob um sentimento de oportunidades de inovação.
Então as fintechs fazem bem para os bancos?
Para todos. Aí eu trago um pouco também não só para o ambiente do mercado financeiro, mas para as empresas. Ao se criar uma plataforma que endereça essa dor de botar vários bancos para um determinado produto, as empresas deixam de gastar tempo e energia com algo que uma fintech pode fazer. Com isso, a empresa pode focar no core dela. Simplesmente uma questão de eficiência. O mesmo para os bancos. Eles pensam assim: deixa eu focar no meu core, que é ter funding, que é ter um bom produto para isso ou aquilo dentro do meu serviço financeiro. Ou seja, os grandes bancos viram nas fintechs muito mais uma parceria do que um risco de uma concorrência.
É possível quantificar o ganho de eficiência das empresas e dos grandes bancos com essa parceria estratégica com fintechs como a Monkey?
Não consigo. Talvez eu nem possa te abrir números. Mas uma forma factível de quantificar é pegar um programa que roda com um parceiro só, que tem uma cotação semanal ou diária para o produto, e comparar o antes e o depois a partir do uso da plataforma como a da Monkey. É possível ver, de imediato, o ganho no prazo em uma negociação com o fornecedor. Eu via casos de 30 e 60 dias.
A redução dos prazos foi o grande benefício do fim do monopólio das antecipações?
Não diria que era um monopólio. Seria se não houvesse opções. Mas sempre houve. Talvez eu definiria que o cenário era de um mercado dominante. A gente vivia em um ambiente onde ninguém queria se mexer para inovar, fazer de forma diferente. Por causa disso, o ambiente competitivo não se desenvolvia. Foi o que eu te falei, quando você tem alguns grupos que saem à frente e traçam algumas trilhas, você começa a ter a oportunidade, outras empresas começam a olhar a oportunidade e pensam: ‘olha, acho que eu vou assumir algum risco, vou também caminhar um pouco nessa trilha para ter competitividade’. Mas o ambiente sempre esteve lá. Faltava, empresas, startups, fintechs como a Monkey, para estruturar as ideias de forma consistente, de forma que demonstrasse que é possível entregar mais.
Como você avalia o papel do Banco Central nesse processo de criação de uma regulação, de um marco legal específico para a operação?
Em 2017 e 2018, não me lembro de nenhum movimento do Banco Central para fomentar esse tipo de solução de risco sacado. Na época, que coincidiu com o início da Monkey, foi algo tão inovador quanto o ambiente do Pix. Mas acho que muitos bancos não foram puxados pelo Banco Central. As empresas foram puxadas pela disposição em assumir alguns riscos. Mas foi super importante o papel do Banco Central se movimentando em paralelo e promovendo a inovação.
Os juros elevados no Brasil ajudaram a impulsionar o mercado de antecipação de recebíveis?
Acho que o grande impulsionador desse mercado foi a necessidade por capital de giro, principalmente no período da pandemia. Naquela época, a Selic estava baixa, mas ainda havia juros reais muito altos. O problema é que existia um risco sistêmico, uma série de questões embutidas que impediam o avanço. O custo de capital hoje está muito caro. E quando se pensa numa empresa de médio ou pequeno porte, que normalmente é o grande público que se beneficia com o risco sacado, para eles ainda é muito pior, porque o risco deles ainda é mais elevado. Então, vejo que o que ajudou a impulsionar o mercado foi mais a necessidade de liquidez do que a questão dos juros.
Como você enxerga o futuro das fintechs, nesse ambiente de crescimento, digitalização e diversificação de serviços financeiros?
Boa pergunta. O que eu estou enxergando é internacionalização. Pensando no produto risco sacado, eu acho que a expansão internacional é algo muito óbvio. Porque, hoje, o risco sacado é nacional, é uma solução local. Parece natural que empresas locais como a Monkey façam uma expansão do produto de risco sacado com seus fornecedores internacionais. Existem janelas de oportunidade que valem a pena.
Nesse contexto, você acha que os grandes bancos caminham para se tornarem cada vez mais fintechs? E as fintechs se tornarem cada vez mais bancos?
Não. Pode ser que as fintechs se pareçam mais com bancos na oferta de serviços. Mas o papel do banco nunca vai ser substituído. Pelo menos essa é a minha visão. A questão do funding é determinante para diferenciar um banco de uma fintech. Acho que a tendência é que os bancos cada vez mais se unam às fintechs. A combinação dos dois lados vai gerar uma vantagem muito grande.