・14/06/2023・Texto por Redação Power Supply

O livro “Rise of Robots” (A ascenção dos robôs), publicado em 2015 pelo autor Martin Ford, tem o sugestivo subtítulo “A tecnologia e a ameaça de um futuro sem trabalho”. Nele, se discute o óbvio do domínio dos robôs em algumas atividades repetitivas, mas também é apresentada uma perspectiva histórica de que o ganho médio de remuneração e a geração de empregos das últimas décadas, têm sido pífias.

Esse assunto está diretamente conectado à atividade de varejo, em especial o e-commerce, porque sabemos que há diversas oportunidades de automação dos diversos processos de nossas empresas, mas ao mesmo tempo, precisamos de pessoas com trabalho, se quisermos vender produtos e serviços a elas. Um paradoxo, que merece o seu pensamento, como profissional ou empreendedor.

As fases anteriores de automação

Há pelo menos 30 anos vemos o crescimento da automação em ambientes não fabris. Há desde a robotização “física” de armazéns, que trazem os benefícios de segurança do trabalho e redução de alocações de carga, até a automação de roteiros de entrega e geração de notas fiscais. Esse tipo de automação tirou o emprego de pessoas com salários mais baixos, no geral. De fato, dado o alto custo da tecnologia e dos baixos salários pagos, criou-se uma espécie de “reserva de mercado” em algumas atividades, já que o investimento em tecnologia tem um retorno muito a longo prazo. Em um país com juros altos, mais que em outros, dinheiro e prazo andam abraçados.

Nos últimos 10 ou 15 anos, observamos a automação de preços de acordo à demanda, geração de pedidos automáticos a fornecedores em função de estoque, adaptação das páginas de acordo à jornada do shopper, a aprovação rápida da compra e do crédito, e outras atividade mais complexas, que se faziam manualmente, mas hoje nem nos lembramos.

Esta fase já marcou a perda de trabalho de alguns especialistas, pessoas que tomavam essas decisões ou as preparavam para outros, mas que com análises estatísticas e matemáticas básicas, se tornaram menos relevantes. A equação financeira estava um pouco melhor resolvida, já que o investimento financeiro era menor (em muitos casos, pagando por consumo de API) e os salários eram maiores.

A oportunidade da automação se expande e o risco de emprego também

Saltamos ao final de 2022 e temos a apresentação ao público geral da Inteligência Artificial Generativa, que se manifesta como DALL-E 2, GPT 4 e outros. Os grandes modelos de linguagem (LLM), que vinham se desenvolvendo há alguns anos na comunidade Tech, estão agora ao acesso de profissionais e empresários, como eu e você, a um custo mensal de assinatura e com razoável facilidade de entendimento.

A combinação de ambos é muito potente, pela democratização do acesso e pela multiplicação exponencial de possíveis casos de uso. Todos nós estamos pensando em nossas tarefas do dia a dia e imaginando se algum algoritmo poderia realizá-la. Essa criação coletiva é tão potente, como perigosa, pois não sabemos onde pode parar. Sem teorizar muito, imaginemos que toda a catalogação de produtos, bem como a geração de textos explicativos, pode ser realizada muito mais rápido que antes e com um nível de erro pelo menos comparável. Não é uma tarefa onde muita criatividade seja necessária, tampouco as fontes de informação são tão complexas.

Algo igualmente potente é a customização das mensagens, em campanhas de marketing. Hoje temos centenas, talvez milhares de possíveis jornadas, ao se considerar os dados demográficos e a navegação dos shoppers, seja em nossas propriedades ou fora delas. O ponto é que eu sei muito, mas não consigo produzir centenas ou milhares de campanhas diferentes, porque é muito caro fazê-lo. Com a integração “multimodal” que o GPT 4 proporciona, essa capacidade se expande de maneira definitiva, com baixíssima interação humana, após um bom treinamento.

A diferença vs. o que tínhamos antes é que começaremos a eliminar trabalhos criativos, especialmente aqueles de entrada, os quais são realizados por jovens profissionais, muitas vezes bem formados, mas ainda inexperiente. Esses trabalhos são razoavelmente bem pagos e, quando comparamos com o modelo atual de consumo da API do GPT 4 e outros, parece óbvio imaginar que há muitos projetos de otimização sendo pensados enquanto você lê esse texto.

Dois passos mais e temos a programação sendo transformada abruptamente, com desenvolvedores sêniores pedindo ao GPT encontrar códigos que realizem tarefas básicas, reduzindo o prazo e o custo no processo. Me surpreendeu entender que, por seu caráter multimodal, sites simples de e-commerce quase podem ser programados com uma foto do front-end...

Enfim, todos sabemos como é difícil encontrar programadores e como está cara a hora deles ou a sua contratação... Com esse cenário, você já imaginou o que vai ter de líder técnico recebendo o “desafio” ou pelo menos o pedido para se “explorar” a ideia de reduzir essas equipes?

Co-pilotando a empresa, no “Office” e na sua cadeira, senhor CEO

Todos acompanhamos o investimento da Microsoft na Open.AI e nos perguntamos qual era o negócio atrás disso. Alguns de nós quisemos dar uma resposta rápida e dissemos que “o Satya pagou demais, só para tornar o Bing competitivo”... Por favor, Satya, tenha pena de nós, simples mortais!

Com poucos dias do lançamento do GPT 4, a Microsoft anunciou a integração do GPT ao pacote Office. Os vídeos de lançamento, usando um termo típico da AI generativa, parecem saídos de uma alucinação... A quantidade de tarefas em que podemos ser mais eficientes é de deixar qualquer um sem dormir! Se colocarmos o computador e a internet na lista dos maiores impactos do mundo dos negócios, a AI generativa talvez gere a mudança mais rápida.

Outra história que vale mencionar é a da empresa NetDragon Websoft, de Hong Kong e que atua na indústria de Garming. Ainda em agosto de 2022, a empresa contratou “Tang Yu” para liderar uma das suas subsidiárias e tomar as decisões clássicas de uma CEO: analisar informações financeiras e decidir a melhor alocação de capital, estimular um bom ambiente de trabalho, avaliar riscos. Só que a senhora Tang não é uma pessoa, mas uma assistente empoderada com inteligência artificial, a qual, pasmem, fez as ações da NetDragon valorizarem mais rápido (até fevereiro de 2023) que as das empresas com CEO’s humanos.

Imaginem a pressão que isso irá colocar sobre todos nós, líderes ou donos de empresas, quando 30 funcionários perceberem que você está tomando a decisão de automatizar a função deles, que juntos ganhamos menos do que você, sendo que a sua função de CEO poderia ser automatizada e a redução do seu salário/pró-labore poderia salvar os empregos de todos eles?

E se os investidores descobrirem que o e-commerce é o que tem mais potencial de automação?

Na metade de 15 de março, uma notícia chacoalhou o mercado do e-commerce... Não foi a quebra do Silicon Valley Bridge Bank... mas a descoberta que o Chat GPT poderia criar e gerir um e-commerce de maneira quase independente.

Um empreendedor curioso postou a seguinte história: “Eu pedi ao GPT4 para se tornar um CE e criar a empresa mais lucrativa que US$1,000 e uma hora de trabalho humano por dia, poderia criar. Em 2 horas, veja o que eu consegui:

a) GPT4 me disse para criar um e-commerce e es escolheu a marca “AIsthetic Apparel” (roupas “AI”stéticas). O produto escolhido foram camisetas de algodão sustentável, com desenho gerado por AI.

b) GPT4 me disse para trazer investidores antes mesmo de colocar o meu dinheiro e eu consegui US$2,500 por 25% da empresa (!), das mãos dos investidores-anjo Martin Andreas Petersen, Frederik van Deurs e Vasco Conceição.

c) GPT4 desenhou um plano de negócios de 10 passos e sugeriu que eu usasse o Shopify e o Printful, para vender produtos exclusivamente “sob demanda”. Uma conta bancária foi criada, assim como a própria empresa, com o link para Spotify.

d) GPT4 recomendou que o desenho fosse feito pelo Midjourney e o nosso primeiro desenho “AI to AI” foi feito.

Tenho certeza de que quando você estiver lendo esse texto, outros tantos casos serão realidade, com sucesso ou falhas estrondosas, mas o que me chama atenção foram as escolhas do GPT (e-commerce, roupas sob demanda, desenho por AI) e o processo de funding, que em menos 2 horas valorizou a empresa em 10x. Tenho amigos que dizem que tudo foi combinado com os investidores para gerar o hype, mas honestamente, eu não ligo... essa história me gerou inúmeros aprendizados e tenho certeza que em você também.

A grande questão é: será que os investidores irão se desinteressar do setor, ao pensar que “se o GPT4 pode criar um e-commerce, talvez não exista tanta diferenciação sustentável”? Confesso que me tirou o sono.

Quais as implicações estratégicas para os seguintes meses

Em primeiro lugar, sabemos que mesmo com muita automação, não está fácil gerar lucro na atividade de e-commerce. Todos temos buscado muitas fontes alternativas de receita, como venda de produtos financeiros, de mídia, de serviços associados ao uso, de modelos especiais de entrega e outros. Isso demonstra que temos um problema de preços em nosso mercado: não cobramos o suficiente e estamos financiando os compradores, que em troca fazem do e-commerce brasileiro um dos maiores do mundo (excluindo-se a cesta de alimentos).

Espero que a realidade atual traga clareza à comunidade do e-commerce, em especial aquela se aproveita do conteúdo do e-commercebrasil: não transfira os potenciais benefícios do GPT em seus processos, para o preço dos seus produtos e serviços. Capture esse valor na forma de investimentos para novas avenidas de crescimento e não para comprar visitas ou para transferir valor aos compradores... já vimos que essa equação não funciona.

Em segundo lugar, invista tempo em pensar em tudo aquilo que poderá ser revisto na sua operação, com o advento da IA generativa. Pense em todos os elementos da sua produção de valor, incluindo as tarefas internas, que você não considera como “estratégicas” ou ligadas diretamente ao produto. Após esse mapeamento, é lógico que você priorize e vá atrás dos maiores potes de dinheiro, mas não perca o exercício, pois você poderá utilizá-lo para gerar recursos em breve.

Em terceiro lugar, não tome apenas o caminho fácil da redução de custo e de empregos. Pense em como usar o GPT para gerar novas ideias de negócio, nas quais você precisará contar com pessoas para operar. Como disse no início do texto, precisamos de pessoas com emprego, que possam comprar nossos produtos e serviços! Você, empreendedor ou gestor de e-commerce, está num lugar privilegiado para isso.

*Felipe Mendes é managing diretor da consultoria GfK para a América Latina

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