・02/10/2025・Texto por Redação Power Supply
O Brasil vive um novo ciclo de expansão na indústria de papel e celulose. Agora, mais integrado, tecnológico e “sob medida” para as exigências de sustentabilidade e eficiência logística do mercado global. A onda de investimentos recentes, puxada por grandes projetos greenfield e pela modernização de parques fabris já existentes, vem acompanhada de um fortalecimento inédito da cadeia de fornecedores: fabricantes de equipamentos, químicos, automação, logística portuária e ferroviária, serviços florestais, manutenção e engenharia. O resultado é um ecossistema mais robusto, capaz de entregar escala, custo baixo e previsibilidade, três atributos que explicam por que o Brasil segue ampliando participação em celulose de mercado, embalagens e cartões para líquidos, mesmo num ambiente internacional volátil.
Do lado dos números, os sinais são claros. A associação setorial Ibá reportou avanço consistente de produção e comércio exterior: no 1º trimestre de 2025, a produção brasileira de celulose somou 6,95 milhões de toneladas, alta de 9,9% sobre a base sazonal de 2024. As exportações também cresceram, mantendo o país como o maior exportador mundial de celulose e um dos líderes em papel, desempenho que tem sustentado saldos comerciais robustos em vários estados produtores. Em agosto deste ano, a entidade voltou a enfatizar a resiliência do setor: “Tivemos um primeiro semestre de crescimento nas exportações de celulose, papel e ligeira queda nos painéis”, afirmou Paulo Hartung, presidente da Ibá. “Nesse cenário, o Brasil, como maior exportador de celulose do mundo, sexto maior exportador de papel e relevante exportador de placas, segue seu compromisso de oferecer soluções sustentáveis e competitivas para o mundo.”
Entre os investimentos que reposicionam a oferta está o Projeto Cerrado, da Suzano, em Ribas do Rio Pardo (MS). Em 21 de julho de 2024, a companhia iniciou a operação da planta, com capacidade nominal de 2,55 milhões de toneladas por ano de celulose de eucalipto, e investimento total da ordem de R$ 22,2 bilhões. Trata-se de um dos maiores empreendimentos industriais recentes do País. À época, o então presidente da Suzano, Walter Schalka, definiu o projeto como um divisor de águas. “Este é um projeto transformacional para a história da Suzano e marca um novo e importante ciclo de criação de valor para a empresa.”
O efeito não foi só corporativo. O Mato Grosso do Sul vem colhendo as externalidades positivas: a celulose liderou as exportações do estado no 1º semestre de 2025 (US$ 1,73 bilhão, 32,7% do total), e municípios como Três Lagoas e Ribas do Rio Pardo despontaram entre os maiores polos exportadores do Centro-Oeste.
No Sul, a Klabin consolidou o ciclo de investimentos do Projeto Puma II, o maior da história da companhia, com a partida da máquina de cartões PM28 em Ortigueira (PR), marcos que sustentam a estratégia de ampliar o mix de papéis para embalagens em um mundo mais “plastics-free”. “O projeto é um marco para a companhia e para a indústria brasileira de papel”, disse o CEO Cristiano Teixeira, ao anunciar a conclusão da fase principal do investimento.
O reconhecimento veio também de fora. Teixeira foi eleito CEO Latino-Americano do Ano pela Fastmarkets em 2024 e 2025, reforçando a leitura de que execução disciplinada de CAPEX e diversificação de portfólio pagam dividendos no longo prazo. A CMPC, por sua vez, encerrou um ciclo de modernização e ganhos ambientais com o BioCMPC, em Guaíba (RS). O programa (uma cesta de 31 iniciativas de controle e gestão ambiental e de modernização operacional) foi desenhado para tornar a planta “a mais sustentável da indústria brasileira”, segundo a própria companhia, e mobilizou milhares de empregos diretos e indiretos ao longo de sua execução. O estado do Rio Grande do Sul, inclusive, assinou protocolo de intenções com a CMPC para uma nova planta em Barra do Ribeiro, um investimento anunciado em R$ 24 bilhões, um dos maiores da história local, que inclui também infraestrutura logística dedicada ao escoamento pelo porto do Rio Grande. Outro vetor importante é a retomada do plano de expansão da Eldorado Brasil em Três Lagoas (MS). No ano passado, Wesley Batista, representante do grupo controlador J&F, declarou: “Hoje, produzimos 1,8 milhão de toneladas de celulose e, com esse projeto, vamos adicionar 2,6 milhões de toneladas. Tem a construção de 90 quilômetros de uma ferrovia, além do investimento em floresta e na fábrica.” O pacote total é estimado em R$ 25 bilhões e inclui a chamada segunda linha (Vanguarda 2.0), com licenças ambientais alinhadas ao plano de aumento de capacidade.
Do ponto de vista macro, o ciclo de CAPEX do setor é volumoso. Em 2024, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços destacou R$ 105 bilhões em investimentos anunciados pela cadeia de papel e celulose, número que dialoga com a projeção da Ibá de cerca de R$ 90 bilhões até 2028. “Quando a gente fala em reindustrializar o Brasil, esse setor que tem um pé no agro e um pé na indústria está entregando uma fábrica nova a cada ano e meio no nosso país”, disse Hartung.
A força da cadeia de fornecedores: tecnologia, serviços e logística
O vigor do ciclo industrial está profundamente atrelado à maturidade da cadeia de suprimentos. A startup do Projeto Cerrado da Suzano, por exemplo, contou com contratos de fornecimento e EPC de grande porte. A Andritz iniciou a operação da planta em agosto de 2024 (a maior linha única de eucalipto do mundo, com 2,55 milhões de toneladas por ano), sendo responsável por todas as ilhas de processo, engenharia civil, comissionamento e startup em regime EPCC.
A Valmet, além do histórico de fornecimentos para projetos de referência, firmou contrato de manutenção modular para válvulas, cilindros pneumáticos e dampers na nova fábrica da Suzano, evidenciando um modelo de servitização que reduz paradas e estabiliza performance no ramp-up.
No elo químico, a Kemira reforçou o portfólio para o mercado brasileiro por meio de acordo exclusivo com a BIM Kemi para distribuição de produtos antiespumantes e soluções de drenagem para celulose, oferta que se soma ao modelo “on-site” já conhecido em Ortigueira, ao lado da Klabin, que garante supply seguro e redução de custos logísticos.
Logística é outro ponto de inflexão. O Portocel, terminal referência em celulose em Aracruz (ES), ampliou presença nacional ao iniciar, em 2024, operação no Terminal 32 de Santos, o maior porto da América Latina, e completou o primeiro ano com quase 950 mil toneladas movimentadas na Baixada Santista. O terminal capixaba, que já detém recordes mundiais de movimentação de celulose e atende produtores como Suzano (Aracruz e Mucuri), Cenibra, LD Celulose e Veracel, agora persegue uma estratégia de diversificação de cargas e mira dobrar de tamanho em dez anos, segundo sua administração. Na fronteira do Centro-Oeste, projetos ferroviários associados a expansões industriais (caso Eldorado) aparecem como alavancas para reduzir o custo Brasil no escoamento a portos do Sudeste e do Sul.
A integração entre indústria e território fica visível na pauta exportadora de estados como o Mato Grosso do Sul, onde a celulose já responde por um terço do valor exportado no intervalo recente; ou em municípios como Três Lagoas, cujo valor exportado em 2024 avançou 45% contra 2023, ancorado nas cadeias florestais.
Embalagens, cartões e a “desplastificação” do consumo
Além da celulose de mercado (BEK), o Brasil se beneficia de tendências vinculadas à substituição de plásticos por papéis e cartões para embalagem. A Klabin, por exemplo, vem ampliando a produção de cartões de alto desempenho (como soluções para líquidos e alimentos) com as novas máquinas do Puma II. A própria Ibá capturou, nos primeiros cortes de 2024, crescimentos de dois dígitos em produção de papéis para embalagens e acondicionamento, evidência de demanda resiliente, mesmo com ajustes em segmentos como “printing & writing”.
No plano internacional, análises de consultorias como a AFRY apontam que, após o ajuste de oferta/demanda em 2023, a indústria global de celulose voltou a operar com perspectiva de crescimento moderado, enquanto custos e choques geopolíticos seguem como variáveis de atenção, um pano de fundo em que o custo estrutural baixo da fibra brasileira (florestas de ciclo curto, alta produtividade e base logística cada vez mais eficiente) se traduz em vantagem competitiva.
A recorrência de anúncios de projetos e modernizações ajuda a explicar por que o setor é frequentemente citado em agendas de reindustrialização verde. Em 2024, o governo federal destacou, ao lado da Ibá, uma esteira de investimentos que inclui novas fábricas, ampliações e retrofits com foco em produtividade e sustentabilidade.
A visão de longo prazo não é apenas retórica. No curto espaço de tempo entre 2023 e 2025, o País viu a entrada em operação do maior projeto greenfield de celulose do mundo em linha única (Suzano, MS); a conclusão do maior investimento da história da Klabin, abrindo espaço para ganhos de mix e diversificação em embalagens; a modernização profunda do parque da CMPC em Guaíba, com foco em ecoeficiência, e planos para uma nova fábrica no RS; a reativação de uma expansão multibilionária em Três Lagoas, com componente ferroviário de 90 km.
Essa sequência puxa para cima uma ampla constelação de fornecedores: tecnologia de processos e automação (Andritz, Valmet), químicos e aditivos (Kemira e parceiros), logística portuária (Portocel e novos terminais), engenharia, manutenção e serviços florestais. Ao mesmo tempo, cria incentivos para soluções de energia renovável e autossuficiência energética nas plantas (venda de excedentes à rede), rastreamento digital de fardos e contratos de “manutenção como serviço” que estabilizam OEE e melhoram a previsibilidade dos ativos.
Lições deste ciclo e o que vem a seguir
A principal lição do ciclo 2023-2025 é que competitividade sistêmica exige mais que fábricas modernas: depende de infraestrutura logística escalável, contratos de longo prazo com fornecedores estratégicos, gestão ambiental rigorosa e capacidade de execução nas janelas corretas do mercado. É isso que permite ramp-ups mais rápidos (caso da planta da Suzano, que atingiu marcos de produção em poucos meses), ampliações com foco em produtos de maior valor agregado (Klabin) e programas de modernização com métricas objetivas de ecoeficiência (BioCMPC).
Os próximos capítulos tendem a combinar novas capacidades (com destaque para o Sul e o Centro-Oeste) e otimizações das rotas de exportação, algo que passa por Santos, Rio Grande e portos do Sudeste/Nordeste, mas também por conexões ferroviárias que encurtem distâncias internas e reduzam a pegada de carbono do escoamento. A estratégia de portos multipropósito do Portocel e a ambição de dobrar de tamanho em dez anos sinalizam como os hubs logísticos do setor pretendem se adaptar ao novo patamar de volumes.
No plano setorial, o discurso de lideranças converge para a continuidade do CAPEX (com atenção à volatilidade global) e para a agenda de embalagens sustentáveis. Em síntese, papéis para acondicionamento e cartões especiais devem seguir capturando substituição de plásticos, enquanto a celulose de mercado brasileira, por custo e qualidade, tende a manter protagonismo nas cadeias asiáticas e europeias. As projeções de investimento (R$ 90 bilhões a R$ 105 bilhões) e as declarações recentes de executivos e especialistas reforçam essa trajetória. “O setor está entregando produção, custo baixo e tem capacidade de conquistar novos mercados, além de enfrentar ineficiências”, acrescentou Hartung, ao avaliar o período 2020–2024 e as perspectivas de 2025.
O fato é que o Brasil entrou em um novo patamar na celulose e no papel. As fábricas mais modernas do mundo, florestas de alta produtividade, portos e ferrovias em evolução e um ecossistema de fornecedores integrados criam uma vantagem que vai além do câmbio ou de ciclos de preço. É um efeito-rede industrial: quanto mais o setor investe, mais a cadeia se profissionaliza; quanto mais a cadeia se fortalece, mais projetos ficam viáveis técnica e economicamente. Nesse círculo virtuoso, o País consolida liderança global e amplia sua contribuição para a reindustrialização verde. Uma fábrica a cada 18 meses, como dizem seus próprios protagonistas.
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