Caso Americanas: A destruição de riqueza começou muito antes de fraude contábil

A visão estratégica e a governança da empresa foram incapazes de capitalizar o bom momento do mercado e transformá-lo em melhores resultados. Consequentemente, a derrocada no valor de mercado após a fusão da Lojas Americanas com a B2W foi inevitável. Conhecer o processo da perda de valor da empresa que vem ocorrendo, é a única maneira de entender como a gigante do varejo nacional destruiu todo seu valor de mercado. Neste artigo, mostramos a evolução e queda do Valor da Americanas, avaliando os dados da B3 sob o olhar da metodologia VEC-Criação de Valor®.

Desde janeiro deste ano muito se falou sobre a perda dos R$ 20 bilhões das inconsistências contábeis (fraude) da Americanas S.A. Curiosamente, não há comentários sobre uma informação importantíssima, que é a queda de seu valor na bolsa, que vem ocorrendo desde 16/07/2021.

Em 11 de janeiro de 2023 a Americanas S.A. (AMER3) que valia R$ 11 bilhões na bolsa, surpreendeu ao publicar o fato relevante, repercutindo fortemente no mercado de capitais no Brasil e exterior, ao reconhecer a existência de inconsistências em lançamentos contábeis na ordem de R$ 20 bilhões. O inesperado escândalo corporativo relacionado a expressiva fraude contábil, fez seu valor de mercado na bolsa cair para inexpressivo R$ 1 bilhão, sendo que já tinha sido de R$ 77 bilhões em 16/07/2021.  

Esta estrondosa destruição de riqueza dos acionistas, da empresa e dos stakeholders, não aconteceu só a partir da notícia da fraude contábil. O tiro no pé aconteceu antes. As duas empresas abertas na Bovespa do grupo 3G, começaram a perder valor com a comunicação da cisão ocorrida em 16/07/2021. Este anúncio refere-se a fusão da Lojas Americanas (LASA – LAME3 e LAME4) com a B2W S.A. (BTOW3), criando a Americanas S.A. (AMER3).

Houve o fato relevante de 28/04/2021, que menciona: “a cisão parcial da B2W e combinação de negócio a partir do acervo cindido da B2W e Lojas Americanas S.A., de forma que 100% das atividades operacionais das duas companhias passaram a ser desenvolvidas diretamente pela B2W, no contexto que se propõe alteração de sua denominação para Americanas S.A. (AMER3)”.

Desde a criação da nova empresa Americanas S.A. (AMER3), verifica-se uma extraordinária perda de R$ 69 bilhões no seu valor de mercado na bolsa.

O fato relevante de 28/04/2021 também cita vários motivos para a combinação das operações das duas empresas:

Efeitos de rede de fornecedores, vendedores, parceiros comerciais, clientes etc.;

Alavancagem da plataforma tecnológica baseada na nuvem integrada;

Economias de escala;

Branding poderoso focado na marca “Americanas”;

Desenvolvimento de forte motor de M&A para avaliar, negociar e integrar novas aquisições, acelerando o desenvolvimento e crescimento da empresa;

Possibilidade de listagem da empresa nos EUA.

Surpresa ou não, a reação do mercado foi negativa com a fusão porque, já no início das negociações, a nova empresa Americanas S.A. (AMER3), em 19/7/2021 teve uma perda de R$ 22 bilhões. Esse valor ocorre pela comparação do valor que as duas tinham em 16/7/2021, ou seja, 3 dias antes, quando seu valor era de R$ 77 bilhões caindo para R$ 55 bilhões.

É impressionante a inépcia da empresa, que não interferiu na contínua e expressiva queda de valor de mercado. Desde o início das negociações das ações da Americanas S.A. (AMER3) seu valor foi caindo, somando expressivos R$ 47 bilhões de perdas, porque em 30/12/2022 o valor de mercado diminuiu muito, valendo somente R$ 8,7 bilhões.

Qual a explicação para os estonteantes R$ 69 bilhões de perda de valor da empresa no mercado? Será que os acionistas do grupo 3G, capitaneado pelos Srs. Jorge Paulo Leman, Carlos Alberto Sucupira e Marcel Telles, o conselho de administração e a diretoria não conheciam a empresa e seu comportamento no mercado?   

Na tabela 1 demonstra-se historicamente a evolução do valor de mercado da B2W e Lojas Americanas (LASA), onde a soma das duas empresas saiu de R$ 21 bilhões em 12/2012 para R$ 87 bilhões em 12/2020. O destaque na valorização das duas empresas é a B2W, saindo de R$ 3 bilhões ou 14% na participação em 12/2012, para R$ 42 bilhões ou 48% em 12/2020.

Adicionou-se a data de 16/07/2021 na tabela 1, para evidenciar que essa é a última data em que as duas empresas possuíam cotação de mercado separadamente.

Com a fusão das duas empresas em Americanas S.A. (AMER3), a Tabela 2, tem o objetivo de demonstrar o início da desvalorização ocorrido a partir de 19/07/2021, até o dia 10/02/2023. 

Percebe-se a expressiva desvalorização da Americanas S.A. (AMER3) já no início da negociação das suas ações. Somente na troca das duas empresas pela AMER3 houve uma perda de R$ 22 bilhões. A data de 21/01/2022 tem a finalidade de indicar o encerramento das negociações da LAME3 e LAME4. Depois de perder expressivos R$ 43 bilhões, ficou valendo somente 22% em 30/6/2022. Com o anúncio em 19/08/2022 da contratação do Sr. Sergio Rial para o cargo de CEO da Americanas S.A., que também era presidente do Conselho de Administração do Banco Santander, fez o valor de mercado subir 6% chegando a RS 15,5 bilhões, mas caiu novamente, encerrando o ano de 2022 com o valor de R$ 8,7 bilhões.

Já no dia 12/01/2023, após a publicação do fato relevante apresentando a ocorrência de uma fraude nos registros contábeis, instantaneamente o mercado reagiu e afundou o valor das Americanas S.A., para ínfimos R$ 2,4 bilhões. Ainda, no dia 23/01/2023 a empresa entra com pedido de recuperação judicial.

Como assim? Por que o valor da empresa foi dilacerado dessa forma tão abrupta? Onde estão as lideranças da empresa, os acionistas fundadores, o conselho de administração e os gestores da empresa? O valor da empresa simplesmente desaparece e a operação no dia a dia fica prejudicada e todos os stakeholders sofrem e irão pagar a conta?   

A pergunta que não quer calar: Foi a notícia da instauração dos preceitos da fraude contábil que ocasionou a monumental perda de valor? Ao que parece não foi somente a fraude contábil e a resposta está clara, como citado acima, é só analisar a derrocada no valor de mercado após o anúncio da cisão de julho de 2021, (vide tabela 1 e 2). A cultura imposta do lucro a qualquer preço, pressão excessiva nos fornecedores, a forma de remuneração executiva definida, aliada a contabilidade criativa, transformou-se rapidamente em autofagia, com a estrondosa destruição de riqueza da empresa, dos acionistas e dos stakeholders.    

Todas as qualidades que formavam a excelente reputação dos três principais fundadores e acionistas da Americanas S.A., caem por terra com a divulgação da fraude contábil.

 O livro Sonho Grande de 2013 que divulgou informações sobre a gestão do Grupo 3G, falava de comportamento ético, confiança, honestidade e bons princípios que guiavam seus negócios.

 Entretanto, com a sequência destes acontecimentos, o fato relevante e a falta da decisão dos controladores sobre a rápida capitalização da empresa, desaba e desmerece a boa reputação.


* Oscar Malvessi é consultor em criação de valor e professor Finanças Corporativas na FGV EAESP. Auxilia empresas em sua avaliação de performance e no aumento do valor de mercado, utilizando o método de Criação de Valor-VEC®/EVA™

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