・24/03/2023・Texto por Redação Power Supply
Considerado um dos maiores especialistas em contabilidade no Brasil, Eliseu Martins tem no currículo cargos de peso no mundo das Finanças. Ele foi um dos principais representantes no país da escola americana de contabilidade, responsável também pela reformulação do currículo do curso de Ciências Contábeis no Brasil durante a década de 1980, em que defendeu a inclusão de disciplinas humanísticas na formação do contador. Compõe a atual diretoria da Comissão de Valores Mobiliários. O contabilista também já foi diretor do Banco Central e representou o Brasil junto à Organização das Nações Unidas (ONU). Atualmente, Martins exerce o cargo de professor titular do Departamento de Contabilidade e Atuária da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP). Em entrevista à Monkey e à revista Power Supply, ele dá sua visão sobre o caso Americanas, considera que a operação de Risco Sacado foi injustiçada no episódio e avalia que as empresas serão mais transparentes a partir de agora. Confira:
Como definir o Risco Sacado em poucas palavras?
De forma simples, é quando o banco paga o fornecedor por você e você fica devendo para o banco. Aí, a empresa passa a ficar devendo para a instituição, em vez de ficar devendo para o fornecedor.
O Risco Sacado precisa estar no balanço como uma operação de empréstimo?
Não precisa, mas é bom que esteja nos balanços por transparência. Alguma nota explicativa. Isso quando se compra do fornecedor no prazo é normal, tipo até 90 dias. Daí a empresa separa o que o banco paga por você à vista para o fornecedor, porque esse fornecedor tem interesse em receber e aceita o valor à vista com desconto.
Quais são os erros e acertos das empresas nessa questão do Risco Sacado?
Existe muita confusão se o Risco Sacado é dívida, se é operação de crédito, se deve ou não estar nos balanços. Mas isso está mudando. Se olharmos para os últimos balanços divulgados pelas grandes empresas, vemos que todas estão deixando bem claro o que é dívida, o que é empréstimo e o que é Risco Sacado.
É o efeito Americanas?
Sem dúvida. O que aconteceu com a varejista Americanas deixou todo mundo mais esperto.
Nesse caso específico da Americanas, a culpa do rombo de quase R$ 50 bilhões foi do Risco Sacado, como citado no começo pelo ex-CEO Sergio Rial como inconsistências contábeis?
Não. De forma alguma. O Risco Sacado foi injustiçado no caso Americanas. Injustiçado é a melhor definição. Usaram a operação do Risco Sacado para fazer falcatrua. Fraude mesmo.
Como conseguiram?
Os responsáveis pela área financeira provavelmente omitiram despesas financeiras dos balanços. Tiraram das contas os juros das operações. Isso foi se acumulando. Eles foram fazendo uma contabilização absolutamente absurda. Os executivos poderiam ter fraudado até nas contas de empréstimos bancários. Mas aí é mais difícil. Os auditores dão muita importância à história dos empréstimos e os bancos sabem responder direitinho.
Mas como a PwC, que auditava os números da Americanas, não conseguiu enxergar uma fraude bilionária nos balanços?
Olha, quanto mais evolui a tecnologia em sistemas contábeis, mas fácil fica de fraudar balanços e mais difícil de se detectar. Escrevi um livro sobre isso há 30 anos. É a pura realidade.
Mas então toda empresa está vulnerável a esse tipo de adulteração?
Não sei de detalhes específicos do caso Americanas. Com certeza isso será investigado. Mas, em linhas gerais, quanto mais se desenvolve sistemas de tecnologia, mais fácil fica de fazer grandes fraudes, sempre por um número muito pequeno de pessoas. E no altíssimo escalão. E lá de cima conseguem mexer no sistema sem ninguém ver.
A ausência de regulação no Brasil não é uma brecha para fraudes no Risco Sacado?
Sem dúvida. A ausência de uma norma específica prejudica, sim. Mas as próprias empresas estão buscando dar mais transparência. Já começaram a dar mais clareza para as suas operações quando elas são puras, genuínas de fornecedor, ou quando começa a tomar cara de dívida e se configure endividamento financeiro.
Mesmo depois de configurar fraude na Americanas, o Risco Sacado ficou com a imagem arranhada?
Com certeza. Todos começaram a olhar para as operações de Risco Sacado com mais desconfiança. Mas isso não faz sentido.
Como o ambiente de juros altos na economia pode beneficiar ou prejudicar o Risco Sacado?
As operações continuarão tendo taxas condizentes com a realidade do mercado. O custo da operação vai subir ou cair junto com todas as taxas. Mas vejo que a nossa taxa de juros real ficou absurda. A inflação em menos de 6% ao ano e a Selic em quase 14%. É absurdo. É absurdo. E não há economia que subsista com juros reais de 8% ao ano.
Quer saber mais sobre Risco Sacado? Confira a live de Eliseu Martins, Bruno Oliveira e Calil Gedeon da Monkey em: https://www.youtube.com/watch?v=sHH5fp-0-GE